Sistemas de recomendação à luz da teoria microeconômica

Um Sistema de Recomendação combina várias técnicas computacionais para selecionar itens personalizados com base nos interesses dos usuários e conforme o contexto no qual estão inseridos. [1]

Esses sistemas estão mais presentes no nosso dia-a-dia do que costumamos imaginar. Quando assistimos um filme na Netflix, ouvimos músicas no Spotify ou compramos algum livro, ou outro produto na Amazon, lá está o Sistema de Recomendação, orientando e auxiliando nosso consumo.

Mas como eles funcionam? Qual é a “mágica” por trás dos panos?

Por que funciona tão bem? E qual sua relação com a microeconomia?

No final deste artigo, você terá base o suficiente para saber
responder quando alguém lhe perguntar. Sem o rigor matemático e sem
muito do famoso “economês” (o jargão econômico), conduzirei seu
cérebro para o fantástico mundo da microeconomia, e melhor, com uma
aplicação que faz parte do nosso cotidiano virtual.

Como funciona um sistema de recomendação?
Começando com uma analogia: sabe quando você entra numa loja e
um funcionário lhe pergunta “como posso ajudar?”, então você dá certas
características do produto e ele te leva para uma sessão com diversos
produtos parecidos e você descobre alguns até melhores do que aquele que
você havia consumido anteriormente? O sistema de recomendação é uma
automatização desse funcionário.

Um sistema de recomendação é um algoritmo/programa de
computador (mais especificamente, Inteligência Artificial) que tem a
finalidade de auxiliar o usuário nas suas decisões de consumo, oferecendo
os produtos que o usuário está mais propício a consumir, tentando prever a
preferência do consumidor. No mundo digital, onde possuímos um mar de
informações, de produtos e serviços à nossa disposição, ficamos sem saber
o que escolher. Os sistemas de recomendação se propõem a mudar isso,
pois com base na classificação dos demais usuários e do usuário alvo,
serão oferecidos determinados produtos e serviços de modo a facilitar a
tomada de decisão dos usuários. Seria uma forma de “direcionar” o que o
usuário realmente gostaria de consumir.

Existem diferentes formas de uso para os sistemas de recomendação.
O mais comum deles é um sistema que classifica os produtos por quanto
um usuário gostaria deles. E quando o usuário está procurando produtos,
será mostrado a ele o que ele gostaria de ter em sua lista (de compras, de
amigos, etc.), assim aumenta o nível de interação do usuário com a
plataforma, deixando-o cada vez mais direcionado a consumir o que ele
gostaria.

O objetivo do sistema de recomendação é oferecer o melhor produto
possível para o usuário na intenção de que ele o consuma, o que é bom
para o usuário e o vendedor. Pois, o usuário estará comprando produtos
que gosta, assistindo filmes e séries que gosta, lendo livros que preferir;
enquanto o vendedor está lucrando com tudo isso.

● Resumo: Os sistemas de recomendação utilizam Inteligência
Artificial para modelar e entender o perfil do
usuário/consumidor que está em uma loja virtual, assim
sugerindo produtos que estejam alinhados com sua demanda
baseando-se no que o usuário consumiu anteriormente.

O que está por trás dos sistemas de recomendação?
Existem três maneiras de funcionamento desses sistemas: baseado
nos atributos do produto, baseado na semelhança dos usuários e um
sistema híbrido

  1. Sistemas com base nos atributos do produto.

Esses sistemas de recomendação usam informações sobre cada
produto para indicar novos produtos que sejam similares. Essas
informações podem ser: produto, gênero (no caso de filmes e séries),
modelo (no caso de produtos eletrônicos), estilos (no caso de roupas) e
qualquer outro, desde que se tenham dados para analisar.

Homer Simpson gosta muito da cerveja Duff, logo o sistema recomendou
uma camisa da Duff para ele.

Suponha que você conte a um amigo que acabou de assistir um certo
seriado, e que gostou muito. Seu amigo pode recomendar que você assista
outro seriado. Ambos os seriados são do mesmo gênero e foram escritos
pelo mesmo roteirista. Pode ser uma boa recomendação, porque os
seriados possuem muitas características em comum. É isso que acontece
por trás dos sistemas de recomendação baseados em conteúdo. Eles
recomendam produtos com características semelhantes de um produto que
o usuário já consumiu e gostou.

  1. Sistema com base em usuários semelhantes

Esses sistemas fazem recomendações apenas com base em como os
usuários classificaram os produtos anteriormente (sabe quando você avalia
um produto com estrelas de 0 a 5? Então), não com base nas características
dos produtos.

Na filtragem colaborativa, o sistema de recomendação não tem
conhecimento dos produtos que está recomendando ao usuário. Só tem a
informação de como outros usuários classificaram os produtos.

O consumidor 1 consome os mesmos produtos que o consumidor 2, então
se o consumidor 2 consumir outro produto, provavelmente será
recomendado para o consumidor 1

A filtragem colaborativa tem uma grande vantagem sobre as
recomendações baseadas em conteúdo. A vantagem é que você nem
precisa saber nada sobre os produtos que está recomendando. Contanto
que você tenha dados de revisão do usuário, você pode criar um sistema de
recomendação de filtragem colaborativa. Mas a filtragem colaborativa tem
algumas limitações.

Isso só funciona quando você já tem resenhas de usuários para
trabalhar. Se você não tiver comentários, não poderá fazer recomendações.
Isso significa que é difícil recomendar produtos para novos usuários, pois
os novos usuários ainda não revisaram nenhum produto. Por fim, a
filtragem colaborativa tende a favorecer produtos com muitas avaliações
sobre produtos com poucas ou muito poucas revisões. Isso pode dificultar
que os usuários descubram novos lançamentos, já que provavelmente não
serão recomendados com frequência.

● Resumo: Os sistemas com base nos atributos dos produtos,
recomendam produtos parecidos para os usuários. Os sistemas
com base em consumidores semelhantes, avaliam o

comportamento do consumidor em relação àquele produto
(avaliação e se comprou/colocou no carrinho). O sistema híbrido
se utiliza de ambas características.

Por que eles funcionam tão bem?

Esses sistemas conseguem interagir muito bem com os usuários,
impulsionando e direcionando seu consumo de modo que mais lhe
satisfaça. E o consumidor deslumbrado com a recomendação, pensando
“nossa! Era exatamente esse filme que eu precisava assistir”,
impressionado com a recomendação de um livro que alavancaria seus
estudos na faculdade. Não só o consumo, mas as redes de amizades
também funcionam com base nos sistemas de recomendação, essas são as
“pessoas que você talvez conheça”.

Nesse mundo virtual caótico, onde somos bombardeados por
propagandas por todos os lados, ter um guia para nosso consumo é, no
mínimo, confortável. É como se entrássemos numa loja e o funcionário
fosse nos mostrando os produtos que provavelmente iríamos gostar, a diferença aqui é que podemos ignorar o funcionário sem sermos mal-educados.

Os sistemas de recomendação funcionam tão bem porque
interagimos com eles constantemente, alimentando-os com dados e
fazendo com que eles acertem cada vez mais nas recomendações. Esses
sistemas se encontram cada vez mais presentes nas nossas vidas, e a
tendência é que os sistemas evoluam mais a cada tempo que passa,
fazendo com que essa interação se torne cada vez mais forte.

● Resumo: Os sistemas de recomendação conseguem interagir
muito bem com nossas vontades, nos ajudando a encontrar o que
gostaríamos de comprar, mesmo que não tenhamos explicitado
nosso desejo.

Qual é a relação dos sistemas de recomendação com a microeconomia?

Primeiramente, explicarei brevemente o que é microeconomia e o
que ela estuda.

A microeconomia é um ramo da economia que lida com o
comportamento de unidades econômicas individuais (consumidores,
trabalhadores, produtores, empresas e investidores), e com os mercados
que essas unidades englobam. Para a análise dos sistemas de
recomendação, daremos atenção aos consumidores.

Teoria do consumidor: dentro da microeconomia, temos uma teoria
dedicada exclusivamente ao estudo do comportamento do consumidor. A
Teoria do Consumidor descreve como os consumidores, com base em sua
preferência, maximizam o próprio bem-estar/satisfação (isso é bem
importante) optando por comprar mais quantidades de determinados bens,
e menos de outros.

O comportamento do consumidor é mais bem compreendido quando
é examinado em três etapas distintas:

  1. Preferência do consumidor: Descreve o porquê das pessoas
    preferirem uma mercadoria a outra;
  2. Restrições orçamentárias: Os consumidores possuem uma
    renda limitada;
  3. Escolhas do consumidor: os consumidores buscarão maximizar
    sua satisfação, e essa escolha dependerá dos preços dos bens
    disponíveis.

Com base nisso, podemos fazer algumas ligações com os sistemas
de recomendação:

Os consumidores nem sempre conhecem todos os produtos à sua
disposição, portante não conseguem comparar os produtos que mais lhe
agradariam. E é aí que entram os sistemas de recomendação, fazendo esse
papel de informador sobre os produtos, mostrando ao usuário/consumidor,
opções de consumo que lhe trariam a mesma satisfação, que maximizariam
seu bem-estar de maneira semelhante, ou até melhor.

Dado as suas preferências, limitando-se pela restrição orçamentária, o consumidor tem a opção de escolher entre os bens disponíveis, e se ele tiver mais opções de consumo, pode comparar os bens para que garanta uma boa escolha, buscando sempre maximizar sua satisfação.

Outro conceito interessante é o de utilidade. A utilidade é uma
característica do produto com relação ao consumidor, ela mede o quão
satisfeito o consumidor se encontra consumindo aquele produto. Essa
utilidade não é numerável, mas podemos colocá-la como função e em
comparações.

Por exemplo: U(x) = Função utilidade do bem x pro usuário João

Aqui, estou dizendo que, para João a utilidade de assistir Matrix é maior
que a de assitir Homem-Aranha, que é maior que a de assitir Bird Box.
Isso que acabamos de fazer é uma função utilidade ordinal (onde
colocamos uma função utilidade em ORDEM decrescente).

Essa função utilidade pode ser ordenada através das avaliações dos
usuários, onde dão as notas para um filme, fazem um comentário positivo
ou negativo. Tendo esses dados, o algoritmo de do sistema de
recomendação vai gerar os filmes que o usuário gostaria de assistir se
baseando nas características dos filmes bem votados, eliminando filmes
parecidos com os mal votados.

Podemos ainda pensar o seguinte:

Aqui, temos que João curte igualmente os três filmes, ou seja, que os três
filmes lhe trazem a mesma satisfação, ou ainda, que os três filmes
possuem a mesma utilidade. E melhor, filmes parecidos com esses e/ou
bem avaliados por usuários parecidos com João, serão recomendados para
João. Interessante demais, não?

Mas e aquele papo de restrição orçamentária, como se aplica nisso?

A economia como ciência estuda como os agentes econômicos (os macro e
os micro) alocam seus recursos escassos dado seus desejos ilimitados.

O que isso quer dizer? Que queremos consumir muitas coisas (assistir,
comprar, assinar) mas não temos recursos para tudo isso, daí vêm os
“recursos limitados”. Porém recurso não é só monetário/financeiro, o
tempo também é um recurso (todo mundo só tem 24h por dia), o corpo e a
mente são recursos (você fica cansado assistindo horas e horas de filmes).

Então não conseguimos assistir tantos filmes quanto quisermos, pois nosso
corpo cansa, nossa mente não aguenta, e nós temos outras coisas para fazer
ao longo do dia. Portanto, o recurso escasso aqui é o tempo e a disposição
física/mental.

Generalizando para a matemática formal (Não é importante ler):

Seja N o conjunto de filmes da Netflix, C o conjunto de usuários da Netflix e i um número natural (supondo que zero não seja natural)

U(n, c) é a função utilidade de um filme n qualquer para um usuário c da Netflix. U(n1, c1) pode ser maior que U(n1, c2), porque o usuário 1 gosta mais do filme 1 do que o usuário 2 gosta desse mesmo filme.

Assim como U(n2, c1) pode ser menor que U(n2, c2), porque o usuário 1 pode ter detestado o filme 2, enquanto o usuário 2 amou esse filme.

● Resumo: O sistema de recomendação traz ao consumidor opções de compra que realmente lhe tragam mais satisfação. São produtos e serviços que os consumidores provavelmente terão
interesse, sem precisar ir atrás procurar. Ou seja, os sistemas de recomendação reduzem o tempo de e trazem produtos confiáveis, pois consumidores parecidos compraram produtos
parecidos.

Conclusão

Os sistemas de recomendação têm feito parte do nosso cotidiano em
diversas camadas da internet: redes sociais, e-commerce, plataformas
digitais, streamming, etc. Sendo muito difícil não ter experimentado esse
sistema. Acredito, portanto, que seja necessário entender como ele
funciona, porque é algo que se torna cada vez mais presente nas nossas
decisões de consumo, facilitando nossa navegação e economizando nosso
tempo.

Existem diferentes maneiras de abordar os sistemas de recomendação, a
microeconomia é só mais uma delas. E agora que você já sabe como esses
sistemas afetam sua vida, dará mais atenção às recomendações e às
avaliações, porque se o sistema já está presente nas plataformas que
usamos, podemos usar de maneira que seja melhor para nosso consumo.
Em termos microeconômicos, utilizar o sistema de recomendações de
maneira que maximize nossa satisfação, fazendo com que sejam

recomendados produtos com a maior utilidade possível, e escolher qual
consumir perante nossa restrição orçamentária.

Obrigado por ler até o final!!

Bibliografia
[1] Francesco Ricci and Lior Rokach and Bracha Shapira, Introduction to
Recommender Systems Handbook, Recommender Systems Handbook,
Springer, 2011, pp. 1–35

Pindyck, Robert S., Daniel L. Rubenfield, Microeconomia, 8ed, Pearson
Education Brasil, 2013

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