STF investe em inteligência artificial

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) deverão ganhar um aliado para ajudá-los a reduzir o acervo de mais de 39 mil processos da Corte. O nome dele é Victor e ele promete tomar decisões em 10 mil casos para remetê-los a instâncias inferiores, ao reconhecer um tema de repercussão geral.

Victor não será o décimo segundo ministro, nem um juiz auxiliar — ele sequer é uma pessoa. Apesar do nome humano, Victor é uma inteligência artificial, desenvolvida a um custo de R$ 1,6 milhão, em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), e que deve ser totalmente implantada até o começo do ano que vem.

Victor já sabe interpretar recursos, separar por temas e destacar as peças principais para agilizar os processos na Corte e desafogar os gabinetes dos ministros. Em alguns casos, o sistema já faz em 5 segundos o serviço que funcionários levavam mais de 30 minutos.

Além disso, Victor tem potencial para dar uma solução, sozinho, para cerca de um oitavo dos recursos extraordinários (REs) que chegam ao STF – como em 2017 foram apresentados 80 mil REs à Corte, ele teria colocado fim a 10 mil casos naquele ano.

Isso porque Victor irá devolver automaticamente aos tribunais de origem os recursos extraordinários que se enquadrarem em um dos 27 temas de repercussão geral que o instrumento foi ensinado a identificar. A devolução se dá tanto para aplicar uma tese já aprovada pelo STF, quanto para sobrestar um processo e aguardar uma definição dos ministros para o caso.

Esta função da ferramenta, contudo, ainda está sendo aperfeiçoada, já que atualmente, tem apresentado uma média de acerto de quase 90%. Os técnicos do tribunal trabalham junto com a UnB para conseguir uma margem de erro menor antes de implementá-la, o que está programado para o início de 2019.

Um serviço do Victor que já está em uso é a identificação e a separação das cinco peças principais do processo: o acórdão recorrido, o juízo de admissibilidade do recurso extraordinário, a petição do RE, a sentença e um eventual agravo no recurso.

Os servidores do Núcleo de Repercussão Geral levavam 30 minutos para desempenhar esta atividade. Agora, o robô faz o trabalho em apenas 5 segundos. Em muitos casos, o setor sequer fazia essa divisão e enviava o processo ao relator sem a separação.

Agora, após os gabinetes receberem os processos para já com as peças destacadas, os ministros têm pedido para que o mesmo trabalho seja feito com o passivo que está sob sua responsabilidade, a fim de facilitar a elaboração das decisões.

Para selecionar as peças principais, o Victor faz um trabalho prévio que também é visto com muito bons olhos por assessores que auxiliam os ministros a prepararem seus votos. Ele transforma arquivos de texto que estão em forma de imagem para um formato em que é possível selecionar trechos para dar o famoso “ctrl+c, ctrl+v”.

O projeto teve início na gestão da ministra Cármen Lúcia e teve apoio entusiasmado do atual presidente, ministro Dias Toffoli. Em palestra no fim de outubro, o magistrado destacou a importância que o Victor terá no futuro para a Corte e também para os magistrados de primeira instância.

“Isso facilita inclusive para o juiz do primeiro grau porque, podendo já identificar os processos com este ou aquele precedente, o magistrado decidirá com maior celeridade”, disse Toffoli.

Victor, um visionário

O nome do projeto é uma homenagem a Victor Nunes Leal, mas não apenas pelo fato de ele ser citado até hoje por suas teses jurídicas defendidas como ministro do STF de 1960 até 1968, quando foi afastado pelo Ato Institucional 5 (AI-5).

O nome de Victor foi escolhido também porque o ex-ministro foi o primeiro magistrado da Corte a tentar sistematizar os precedentes do tribunal. “Ele foi um dos primeiros a se preocupar em unificar a jurisprudências para facilitar a identificação de temas repetitivos”, conta Eduardo Toledo, diretor-geral do STF.

Toledo explica que o Victor vai muito além da busca por palavras chave para identificar os temas: “Na verdade, ele procura o contexto, associa mais de um documento para poder chegar à identificação daquele tema. Ele busca, na verdade, realmente a compreensão das expressões que estão sendo utilizadas em conjunto, baseado na repetição”.

O diretor-geral acredita que o projeto deve estimular os outros tribunais e servir de exemplo para que desenvolvam ferramentas de inteligência artificial para ajudar nos trabalhos.

“O Victor foi uma iniciativa do tribunal para promover o desenvolvimento do investimento em inovação no Judiciário como um todo, porque a gente sentia uma dificuldade muito grande de ter contato e avançar nas novas tecnologias pela limitação que a legislação impõe”, diz.

Toledo diz que os tribunais também poderão adotar a nova tecnologia para que, antes de encaminharem os processos ao STF, já identifiquem se o caso se enquadra em algum tema de repercussão geral. Assim poderão otimizar esforços e já dar o tratamento adequado: sobrestar ou aplicar entendimento já firmado.

Dos 80 mil recursos que chegam ao Supremo a cada ano, 40 mil, em média, são devolvidos aos tribunais de origem. Desses, metade volta por não atender a requisitos formais de admissibilidade e a outra metade por se enquadrar em algum tema de repercussão geral definido pelo STF.

Como o Victor foi ensinado a identificar os 27 temas mais comuns, que dizem respeito a cerca de 50% de todos os casos entre os 1020 temas com repercussão geral, a tecnologia dará sozinha uma solução para, em média, 10 mil processos a cada ano.

O advogado que discordar do encaminhamento dado pela ferramenta poderá, assim como nos outros processos, agravar a decisão e pedir a rediscussão sobre o caso.

Quebra de paradigma

Toledo também acredita que o Victor pode estimular tribunais de todo país a investirem em inteligência artificial para ajudar a dar mais celeridade à Justiça.

Ele espera que a iniciativa do STF sirva de exemplo, já que há receio de gestores públicos do meio jurídico em firmar esse tipo de contrato. A razão é que é complexo estabelecer parâmetros para fazer uma licitação na área.

“É muito difícil licitar inteligência artificial usando a Lei 8.666, por exemplo, porque é difícil fazer concorrência entre as empresas: vai comparar o que entre elas? Exigir o quê? Como definir que essa empresa é melhor do que a outra? Alguns lugares se arriscaram em aplicar a inexigibilidade de licitação, mas hoje em dia não dá para dizer que essa ou aquela empresa é exclusiva em inteligência da informação”, diz.

Diante dessas dificuldades, surgiu a ideia de procurar a Universidade de Brasília. “Sabíamos que eles estavam se envolvendo em um projeto de inteligência artificial e que tinham uma negociação com o Tribunal Superior do Trabalho ou com o Superior Tribunal de Justiça que não tinha avançado”, conta Toledo.

Como o projeto foi restrito aos temas de repercussão geral, isso restringiu a quantidade de atores com poder de decisão, porque dependia apenas do presidente da Corte.

O Supremo, então, assinou um termo de execução descentralizado, e ficou combinado que a universidade faria uma pesquisa de quantas bolsas teria que pagar — o necessário para tocar o projeto — enquanto o tribunal ressarciria a UnB nesses gastos. O custo total ficou em R$ 1,6 milhão.

O secretário de Tecnologia da Informação do Supremo, Edmundo Veras, calcula que o STF já recuperou o recurso investido e ainda ampliou a economia da Corte. “No primeiro semestre, recebemos 42 mil processos. Se fosse feito trabalho de quebra e identificação das peças principais neles, precisaríamos de 22 mil horas de trabalho de servidores. Isso só para separar a documentação, o que não era feito em todos. Levaria dois anos e meio para fazer em todos os processos, a um custo aproximado de R$ 3 milhões”, diz.

Ele conta, também, como foi o processo para orientar a ferramenta a tomar as decisões corretas. “Para ensinar o Victor, pegamos centenas de decisões da Presidência em que se aplicou determinado entendimento e fizemos a leitura dos autos em que foi aplicado aquele tema para repercussão geral. Aí, o Victor aprendeu que quando tem em um processo com coincidência de peças que usam certos termos, a solução dada pelo presidente foi de determinada maneira”, relata Veras.

Para definir como usar a inteligência artificial, houve inúmeras reuniões do Comitê de Gestão de Tecnologia da Informação da Corte. E, depois dos encontros e de conversas com a Secretaria Judiciária e com a Presidência, concluiu-se que a ferramenta deveria focar nos temas com repercussão geral.

Entre o que já foi julgado e ainda aguarda decisão, há cerca de 1020 temas de repercussão geral. Inicialmente, priorizou-se os 44 temas que tiveram 500 ou mais processos devolvidos na história.

Depois, os responsáveis pelo projeto perceberam que havia alguns que tinham mais de 500 casos devolvidos, mas há mais de dois anos e esses foram eliminados porque há chance de ter ocorrido uma mudança de jurisprudência nos últimos dois anos. Nesta etapa, veio a decisão de reduzir o escopo para os 27 temas que correspondem a cerca de 50% do total de processos devolvidos.

“Para usar a inteligência artificial é necessário ter uma quantidade muito grande de decisões. E nós tínhamos na época identificado 40 temas que sobem continuamente ao STF e achamos que seria interessante uma ferramenta para isso. Depois, vimos que era preciso restringir”, afirma Toledo.

Daqui para frente, com a chegada da inteligência artificial no Supremo, o diretor-geral prevê que os funcionários responsáveis pelo trabalho que passará a ser de Victor não ficarão sem serviço. Pelo contrário, poderão exercer atividades mais qualificadas. “O tribunal irá focar em outras coisas e não perder tempo com esses trabalhos que podem ser substituído pela tecnologia”, diz. A inteligência – artificial – de Victor veio para ficar.

Fonte: https://www.jota.info/coberturas-especiais/inova-e-acao/stf-aposta-inteligencia-artificial-celeridade-processos-11122018

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